A economia verde e o papel do Brasil nos dias de hoje

 

Rubens Ricupero

por Samara Conze Figueiredo

Rubens Ricupero (01/03/1937) é jurista e diplomata brasileiro, que fez carreira de 1961 a 2004, além de exercer a atividade de economista. Já foi assessor internacional de Tancredo Neves, assessor especial do presidente José Sarney, embaixador dos Estados Unidos e representante permanente do Brasil junto aos órgãos da ONU sediados em Genebra.

Foi também ministro da Fazenda em 1994, quando houve a implantação do Plano Real, a fim de estabilizar a economia brasileira. Renunciou ao cargo em 06 de setembro do mesmo ano por conta do mal entendido caso do “Escândalo da parabólica”. Após este ocorrido, Senhor Ricupero foi nomeado embaixador do Brasil na Itália e em seguida secretário geral da UNCTAD – ONU. Deixou o cargo em 2004 quando se aposentou como diplomata.

Hoje em dia é diretor da Faculdade de Economia da FAAP e presidente do Instituto Fernand Braudel, que promove debates, publicações e pesquisas sobre problemas institucionais como política e economia, educação e segurança, relações internacionais e desenvolvimento econômico.

Com um currículo invejável deste jeito e uma cultura admirável, ninguém melhor para dar seu parecer em relação à questão sustentável dos próximos anos, uma vez que esta faz parte da atual agenda global e preocupa a todos, sendo necessário um parecer dos Estados.

1. Quais são suas perspectivas para a COP 16 em Cancun que começou no último dia 29/11?

Ricupero: Espero tão pouco de Cancun que qualquer coisa que sair acabará sendo provavelmente uma boa surpresa, porque as expectativas baixaram muito de nível depois de Copenhagen, que foi um grande desapontamento, e o que aconteceu depois, agravou as condições. A vitória dos republicanos nas eleições parlamentares dos Estados Unidos torna mais remota a possibilidade de um acordo no Congresso americano, portanto o Obama que já não havia conseguido avançar, agora vai ter mais dificuldades ainda. As relações entre os EUA e a China que era uma chave para se avançar nesse campo, pioraram em muitos campos, em economia, em programas políticos, deste modo também ai a situação de como é grave. O G20 que se esperava que pudesse ter uma contribuição na área ambiental, agora está tendo dificuldades de se entender até na área econômica, então os prognósticos não são bons, tudo indica que o modelo do protocolo de Kyoto e o modelo das negociações, da COP está se esgotando, porque a tempos que ele não consegue mais produzir efeitos. O que eu quero dizer com isso é que um modelo de Kyoto é aquele das obrigações, cobráveis, obrigações legais, apenas para os países do anexo 1, dos países ricos, a posição do Brasil e dos países em desenvolvimento é continuar a insistir que esta reunião deveria tratar da prorrogação para segunda fase do acordo de Kyoto, mas já disseram claramente alguns como Canadá e Japão, que isso é inaceitável, já os EUA nunca aderiu ao protocolo de Kyoto, agora menos provável ainda que vá aderir, ou seja, apenas o apoio da União Européia não vai ser suficiente para que isso se mantenha, é muito claro que sem alguma obrigação da parte da China, da Índia, do Brasil, os americanos não vão se mover, e por outro lado, até  então o modelo das negociações era esse, de querer ter um grande acordo que englobasse todas as questões, agora há uma tendência de procurar um caminho talvez mais realista e dividir as questões e ter por exemplo uma abordagem específica, para florestas, outra para energia, para a questão financeira, tecnologia, enfim, espera-se que talvez isso seja mais produtivo, porque poderá produzir avanços nos setores em que é mais fácil ter acordos, ao invés de ter aquele objetivo muito ambicioso para um grande acordo que englobe tudo. Então provavelmente isso é o que vai ficar cada vez mais claro nessa reunião de Cancun.

2. Como o senhor vê a evolução da demanda pelo “verde” no Brasil e no mundo? O Brasil está preparado para esta mudança?

Ricupero: Essa evolução continua porque mesmo na ausência de um acordo, é claro que um grande acordo aceleraria isso, mas mesmo na ausência, cada vez mais a consciência da necessidade da economia verde passou a se generalizar, sob tudo nos países mais avançados, e hoje mesmo no Brasil a gente vê a Bolsa de Valores, que tem o índice de sustentabilidade, as empresas estão comprometidas com isso, então, essa demanda vai continuar a crescer. O Brasil está preparado em partes, porque uma das demandas vai ser na questão do etanol, do bicombustível. O país se encontra preparado no sentido de que ele conseguiu desenvolver melhor combustível do ponto de vista de contribuição ambiental e ele não está preparado porque a demanda vai ser muito grande e o Brasil não tem excedentes para exportar, como a maior parte do etanol é consumido no país mesmo, vai ser difícil, a não ser que ocorra uma expansão da produção nos próximos anos. Esta é a única área em que eu vejo que o Brasil está de fato preparado, nas outras, de tecnologia, sobre meio ambiente, o país está muito atrasado, comparado a China, por exemplo, que investe o dobro dos EUA nesta área, então o Brasil muita pouca coisa tem feito. A resposta é de que o país está em parte preparado.

3. O grande problema para a implementação de novas fontes de energias renováveis é a pressão da indústria petrolífera. Existe também uma pressão das elites que são beneficiadas pelos subsídios do governo, como no caso da Índia, onde o querosene é subsidiado. Quais medidas podem ser tomadas para estimular a prática de fontes de energias renováveis?

R: A verdade é que esta resistência vai existir sempre em alguns países, em que as condições não estão muito propicias à energia renovável, um exemplo disto é a Venezuela que como um grande produtor de petróleo, mantém artificialmente baixo o preço da gasolina, lá qualquer pessoa pode encher o tanque com uma quantia que equivale a 1 real, e é muito difícil imaginar que isto vá mudar, pois eles tem muito petróleo e não tem outra alternativa. Em países como este, é o caso também do subsidio do querosene da Índia, a evolução vai ser mais lenta, então não se pode imaginar que isso vá gerar um desenvolvimento uniforme em todos os países. No entanto, nos países que tem uma consciência ambiental mais forte, já está havendo medidas muito fortes para favorecer a implantação da energia eólica, dos ventos, na Alemanha, Dinamarca, Inglaterra, e também de energia solar, na França, por exemplo. No caso da Itália, está se fazendo com grandes benefícios que o governo fornece, como financiamento, praticamente a custo zero, que garante um preço alto na compra da energia, impostos baixos, então estas medidas todas de créditos, impostos, e compra da energia pelo governo, daqueles que aceitam esta proposta beneficia a todos de uma forma geral. Depende da disposição de cada país, para oferecer compensações, porque como no momento atual, não há ainda um preço, uma espécie de taxa sobre o carbono, o que precisa haver são incentivos, porque se houvesse uma taxa sobre o carbono, ia ficar patente que a vantagem do petróleo e do carvão, é uma falsa vantagem, pois a vantagem que eles tem de preço, é que eles não pagam a poluição que estão criando, no entanto, se eles fossem obrigados a pagar pelas conseqüências que estão produzindo, a competição das outras fontes limpas seria vantajosa, mas como não há ainda esse acordo, tem que se esperar por estes incentivos.

4. No caso de Bangladesh, as tarifas feed-in foram implantadas com sucesso através de financiamento do Banco Greminh. O sistema brasileiro está preparado para introduzir alguma medida semelhante?

R: A esta altura sim, o Brasil se encontra preparado, pois começa a desenvolver bem esta parte do micro crédito, o governo tem apoiado muito, a meu ver, isto dependeria mais de uma ação, coordenação de uma política no âmbito federal, mas acredito que já atingimos um nível de micro crédito, de consciência para problemas ambientais, depende de como o próximo governo vai encarar esta questão.

5. Na reunião do Banco Mundial e do FMI deste ano, ocorreu um painel que tratou sobre a economia verde. Nele, os interventores palestrantes falaram que o principal motivo pelo qual não implantam o modelo verde, é por conta de capital político. Como o senhor analisa este capital em âmbito mundial e nacional?

R: É verdade, pois as divergências não são científicas ou econômicas, elas são políticas, e estas divergências políticas exprimem interesses econômicos, como no caso do combustível, citado acima. Pois, por exemplo, o Congresso americano sempre resistiu à adoção de políticas mais avançadas, porque ele reflete o interesse dos Estados que tem minas de carvão, portanto, da indústria carbonífera, reflete os interesses da indústria do petróleo, pois estas coisas não se podem separar. O capital político que ele se refere, na verdade está muito ligado aos interesses econômicos e os que querem a mudança, as vezes não conseguem ter força o suficiente para vencer esta resistência. Ou seja, por causa desta razão que ainda não houve uma evolução política suficiente, tanto assim, que há países em que isso avançou, em que já há partidos verdes, em que os próprios partidos majoritários foram obrigados a mudar o seu programa, isso porque a opinião publica, o eleitorado passou a ser mais favorável ao meio ambiente, então é verdade que para poder avançar, a gente tem que mudar a própria substância da posição política.

6. Como o senhor avalia uma inversão de valores no caso de consumo sustentável, ou seja, ao invés de as pessoas consumirem menos, acabam consumindo mais pelo fato das embalagens serem recicláveis, e isto se dá por conta das grandes empresas incentivarem a utilização destes produtos.

R: É impossível imaginar que eles vão dizer não consuma, pois é a lógica deles, no entanto, o importante é mudar a cabeça das pessoas, porque eu acho que as duas coisas são importantes, a reciclagem é boa, o esforço que eles fazem a favor da reciclagem deve ser aplaudido, porque todo apoio é bom. Mas nós temos dois problemas, um problema é a questão dos resíduos, o ideal seria que as embalagens fossem todas recicláveis, que uma parte grande não ficasse na natureza, então o bom é que estas empresas grandes também apóiam, já outro problema, é mudar o modelo de consumo, de desenvolvimento, que devemos fazer esforço sem esperar apoio destas grandes empresas, tem que ser de outra forma, porque não há duvida nenhuma que uma das linhas principais da solução ambiental, tem que ser a mudança da maneira como vivemos e consumimos. Cada vez mais temos que mostrar as pessoas que é perfeitamente possível ser feliz com muito mais frugalidade, com sentido de moderação, que esta idéia de “enough is never enough” não é correta. Isto é um pouco como os princípios morais, a gente tem que convencer todo mundo que isto leva a uma vida melhor, mas você não vai esperar que vão ser os interesses econômicos que vão nos apoiar nesta campanha, é preciso separar as coisas. A gente tem que ser realista de ter o apoio deles naquilo que é possível, no caso da reciclagem eu acho bom, mas imaginar que eles vão querer a diminuição do consumo, já não se pode dizer. Vai mudando pouco a pouco os hábitos, conforme se cria o mercado e a demanda.

Esse post foi publicado em Consumo e marcado , , , . Guardar link permanente.

Deixe um comentário